Um
dos maiores problemas existentes nas relações entre Casas de Show x
Produção x Músicos é a questão do pagamento. Admito, como
produtor, que é um dos problemas que mais me dá dor de cabeça.
Apesar de ter 8 anos atuando na área, tem coisas que ainda não
consigo compreender: a dificuldade para pagamento no dia e as
justificativas apresentadas.
É
prática comum os pagamentos de cachês/bilheteria para as produções
serem feitos dias após o show/evento. E é isso que muitas vezes não
consigo compreender. Por que esse pagamento não é feito no dia?
Vamos analisar alguns pontos e argumentos importantes tentando
entender cada lado da situação.
Começando
pela relação direta entre casa e artista. O dono do espaço
contratou determinado artista/banda para se apresentar e assim tentar
alavancar público para o local e também gerar um consumo de bar que
renda algum lucro. Digamos, que combinou um cachê de R$1.000,00. Ou
seja, o artista/banda foi contratado pela casa para prestar um
serviço. Diante disso, combinam direitos e deveres de cada parte
(não vamos entrar agora em detalhes dessas obrigações por estarmos
tratando especificamente do caso do pagamento, pois teremos um texto
para debate com minha opinião sobre o que deveriam ser esses
direitos e deveres).
Cumpridas
as obrigações da banda, realizado o show, vem a hora do pagamento.
Ou pelo menos, deveria. Porém, ai começa uma nova luta, mais uma no
meio de muitas, que os músicos lutam diariamente e muitas vezes
precisam ceder por sentirem-se frágeis e desprotegidos na relação.
Não
questiono a teoria do "combinado não sai caro". Caso tenha
sido combinado o pagamento dias após o show, ok! Combinado é
combinado! O que eu não entendo, e a maioria das pessoas envolvidas
acabam tendo que aceitar, são os argumentos apresentados para
jusitificar esse pagamento posterior. Não me conformo com as razões.
Nesse caso específico então, eu entendo menos ainda. Independente
da divulgação do show gerar público/consumo ou não, houve uma
prestação de serviços que deve ser remunerada no momento que a
obrigação é cumprida. Faz parte do risco do empreendimento do dono
do estabelecimento. É necessário investir para gerar o retorno e
muitas vezes ele não vem como se espera. Porém, a obrigação
precisa ser cumprida. Imagina você contratar alguém para fazer uma
obra de melhoria na sua casa e na hora do pagamento você não ter o
dinheiro para pagar a pessoa? Você pede para esperar um tempo até
conseguir? Você costuma contratar alguém para prestar um serviço
sem ter o dinheiro para pagar? Assim como a casa tem custos, o
artista ou prestador de qualquer serviço também tem. Onde ficam os
princípios básicos do ser humano de respeito, ética etc? Por que
nesse caso, os custos da casa são mais importantes do que os dos
artistas e precisam ser pagos primeiro? Quem estabeleceu essa
hierarquia dentro de uma relação de prestação de serviços? Na
verdade, ela não existe! Se você, meu amigo, quer abrir seu próprio
negócio, deverá assumir os riscos do mesmo. Isso é básico ao meu
modo de ver.
Não
me venha também com a desculpa do cartão de crédito que também
não convence. "O dinheiro do cartão entra dias depois",
eles dizem. Volto a perguntar: O que os artistas tem com isso nesse
caso específico de contratação direta? Nada! O cartão é usado
como facilidade para o público e assim facilitar o acesso do público
a casa. É um modo implementado pela casa para gerar conforto ao seu
público e portanto o risco é da própria. A casa deve estar
preparada para acertar o combinado. Onde já se viu uma empresa que
não tem um caixa para casos em que a previsão não for alcançada?
Entramos ai em um problema de má administração na minha opinião.
Mas, isso não vem ao caso né? É uma questão interna deles.
Todavia, não pode ser jogada no colo dos outros.
O
argumento é quebrado facilmente quando pergunto sobre o pagamento em
dinheiro na hora. Se existe um pagamento de entrada na hora porque
então não é usado para o pagamento do artista de acordo com o
valor combinado? "Precisamos pagar os funcionários que estão
trabalhando na casa" eles dizem. Como assim? Então além de não
planejar o custo do combinado com o artista, a casa não consegue ter
um planejamento também para os seus funcionários? Dessa forma só
consigo entender o motivo pelo qual os estabelecimentos estão
fechando. E não culpem só a crise, que existe, mas muitos estão
fechando por próprios erros e não conseguirem/quererem enxergar e
consertá-los. Insistem em modelos ultrapassados. Precisamos enxergar
o produto e adequá-lo a realidade em que vivemos. Isso também é
papo para outro texto. Voltemos ao tema central.
Imaginem
eu, como produtor, realizar um evento onde contrato diversos serviços
e não calculo o risco caso meu evento não dê público seja pelo
motivo que for. O público pode não se interessar como também pode
cair uma chuva na cidade e inundar os acessos como já aconteceu
comigo algumas vezes. Aquele velho problema da nossa cidade!!
O
que eu faço então? Simples! Pago quem eu tiver que pagar. Seria
justo cancelar? Não, na minha opinião. A desculpa da chuva poderia
ser perfeita para aliviar meu custo e ganhar a compreensão de
muitos. Porém, foi um risco que eu corri diante do meu negócio. Foi
o risco que eu corri como empreendedor que sou. Todo mundo tem
problemas e contas para pagar. O que fazer com as pessoas
contratadas que estavam lá desde cedo preparadas para o evento? Elas
não podem ser responsabilizadas pela chuva ou pelo meu risco de
negócio.
Temos
também a relação Casa X Produção quanto ao pagamento. Essa eu
vivo diariamente em muitos locais e confesso que na maioria das vezes
é terrivel. E faço aqui uma análise do ponto de vista do produtor
que, no caso a ser apresentado, fica no meio da relação (Casa –
Produção – Artista/Prestadores de serviços do evento).
Imagina
o seguinte cenário: pago o aluguel de uma casa a R$5.000,00 reais
que me dá o direito do retorno integral da bilheteria. Contrato
artistas com cachê fechado ou combino % das vendas. Contrato técnico
de som, assistentes de produção, fotógrafos, serviços de filmagem
etc. No dia do evento, mesmo tendo a bilheteria integral, eu não
recebo o pagamento. Receberei dias depois. Conseguiram já perceber a
situação do produtor no meio disso? O produtor precisa receber e
cobrar a casa pelo combinado entre eles e ao mesmo tempo honrar seu
compromisso com os prestadores contratados. Ele fica no centro de
inúmeras relações onde ele tem relação direta com todos. Os
demais possuem relações indiretas entre si, que podem ser cobradas
diretamente a produção. Um espectador que tiver algum problema com
a casa poderá cobrar da produção. Esta, deverá tentar solucionar
o problema e cobrar da casa o combinado entre eles. Mas SEMPRE, no
primeiro momento, a produção será responsabilizada. Ficamos entre
a cruz e a espada. E não estou advogando a favor dos produtores e
dizendo que são santos e pobre coitados nas relações em geral.
Pelo contrário, minha opinião a respeito da porcentagem de pessoas
incapacitadas de exercerem tais funções como produção, donos de
empresas, artistas etc é bem crítica. Sou demasiadamente crítico
comigo mesmo e isto pode ser comprovado com as pessoas que
participaram de diversos projetos comigo.
Voltando
ao argumento do cartão de crédito, aplicando-o nesse caso, tenho a
mesma posição para um personagem e outra para outro. Se a casa
ofereceu a facilidade do público do evento do produtor poder pagar
com cartão e o produtor está se beneficiando disso, deverá este,
aguardar o recebimento do valor do cartão ou pagar pela antecipação.
Porém, não poderá jogar essa responsabilidade para o artista
contratado com cachê fechado e nem os demais prestadores de
serviços. Não foi esse o combinado. Todavia, na situação de
porcentagem da bilheteria, o artista também se beneficia da vantagem
do pagamento do cartão para o seu público ter facilidade de compra.
Devendo nesse caso, também aguardar. Teríamos nesse caso, todos se
beneficiando dessa facilidade.
O
caso que mais me incomoda é que as casas muita vezes colocam a
entrada em dinheiro e o consumo podendo ser pago com cartão. Justo
até para não misturarmos os valores referentes a cada a parte e
gerarmos um problema talvez de contabilidade. Até ai tudo bem! Mas
não é isso que acontece...
Sendo
a entrada toda em dinheiro e a produção tendo direito a 100%
mediante o pagamento do aluguel, não entendo porque esse valor não
é repassado diretamente no dia. E não venha com argumentos de que é
uma quantia enorme para ser contabilizada no dia porque posso citar
exemplos de eventos para 200/300 pessoas apenas que acontece isso. E
ainda sim, em eventos maiores, cabe a própria produção controlar
essa entrada de dinheiro e criar mecanismos de contabilizá-lo depois
já que é direito exclusivamente seu. Não há necessidade de
terceiros, como no caso do local, controlarem esse montante.
Para
minha surpresa os argumentos são os mesmos dados aos artistas.
"Precisamos pagar as pessoas que trabalham na casa."
Pasmem!!!!! Não teria sido o aluguel pago por isso? Para justamente
cobrir os custos que a casa ache necessário para ceder o espaço com
tudo que lhe foi garantido? Considero esse argumento no mínimo
surreal e teríamos que voltar ao papo de gestão, administração,
sem contar a responsabilidade do empreendedor, risco do negócio e
temas como ética, profissionalismo, respeito etc.
Um
argumento diferente, e tão pouco convincente quanto o anterior,
seria que nao poderiam deixar uma pessoa da produção controlar o
acesso porque a casa possui um sistema de controle e registro de
entrada de pessoas com cadastro de documentos e tudo mais. Pergunto:
alguém pediu para ter acesso ao sistema de controle? Não é simples
colocar uma pessoa recebendo o pagamento depois do espectador passar,
registrar-se na casa e pegar sua comanda? Não atrapalharia em nada o
funcionamento. E ainda agilizaria o processo, já que muitas vezes
esse processo todo é feito por uma única pessoa para enxugar
custos. (Calma, depois falamos do perrengue do público em outro
texto).
Observem
que o segundo argumento acaba parecendo apenas mais uma desculpa para
justificar o primeiro. Ter de alguma forma uma grana ali garantida
caso de errado o planejamento. Onde foi parar o valor do aluguel?
Usado para pagar um evento anterior? Sendo assim, teremos sempre um
efeito dominó.
Muitos
me dizem que gostariam de saber a fórmula mágica para esse mercado
gerar lucros para os envolvidos. Dizem que já tentaram de tudo. Eu
discordo! Diante de todo o exposto, para mim, fica claro, que a
fórmula é simples e a resposta está na primeira frase desse
parágrafo: "para todos os envolvidos". Na hora que todos
pensarem como um conjunto de relações onde um é INDISPENSÁVEL ao
outro, enxergando assim as necessidades, obrigações e riscos
próprios e dos demais, buscando um meio termo, ai sim teremos a
fórmula mágica.
A
dúvida passa a ser outra. Os principais contos de fadas afirmam que
a mágica existe quando a gente acredita de verdade e quer realmente
que aconteça.
E
ai, você acredita realmente em mágica?
O motivo do mercado estar desabando, é só um: pessoas que não fazem seu trabalho como deveriam, e acabam prejudicando várias outras. Trabalhar com música, dependendo da logística de outra pessoa realmente é foda.
ResponderExcluir